Os demônios

Nesse romance vemos um Dostoiévski enfrentando os próprios demônios, mais atormentado com os acontecimentos históricos, mais assombrado com as ideias de sua época. Escreveu-o para responder à questão: “Como são possíveis pessoas como Netchaiev?”. Acabou se tornando um mergulho ao abismo, à escuridão, ao subterrâneo, à ausência de Deus. Tornou-se afirmação da angustiante liberdade humana.

Käthe Kollwitz: “Conspiração”. 1897.
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Freud, leitor de Dostoiévski

Dostoiévski tinha certa fixação pelo tema do crime.

Criminosa foi sua personagem mais conhecida, talvez a mais interessante, Rodion Raskolnikov. Na obra magna, Os irmãos Karamázov,  o crime é o elemento central do enredo. Derivações do tema também abundam nessas obras pelo impulso de destruição, o presente na lista de personagens deslocadas, masoquistas, humilhadas, cheias de remorsos, divididas em personalidades desdobradas. São tão neuróticas e fantasiosas, que o mundo aparece distorcido sob óticas limitadas, de modo que falseia a realidade: afinal de contas, como podemos nos fiar na realidade narrada em “O sósia”?

Além do crime, outro tema presente e um dos mais importantes é a culpa. A cena do delírio de Raskolnikov é a manifestação de uma crise terrível de consciência, e é pela culpa que Raskolnikov resolve penitenciar-se numa prisão de trabalhos forçados, a mesma prisão, simbolicamente falando, em que Dostoiévski se viu um dia encarcerado. Também os irmãos Dmítri, Ivan, Aliocha, compungidos, encarnam a imagem da penitência ou do autocastigo –  aliás, o significado de karamázov tem sua raiz na autopunição e na autodestruição.

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